O papel do RH na previdência complementar
Reproduzimos abaixo artigo de Maria Gurgel, ex-Diretora de RH da Vale e hoje presidente da Valia, fundo de pensão que tem a Vale como a sua principal patrocinadora, e que foi publicado originalmente na Revista e Portal da sessão Rio de Janeiro daAssociação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ):
“Há 2 anos fiz uma transição do mundo de Recursos Humanos para o mundo da previdência complementar. Logo que cheguei à liderança de um fundo de pensão, tentei entender aquela realidade tão nova sentando com todas as áreas e conhecendo o que elas faziam e quais os grandes desafios de cada uma. Como parte do meu aprendizado, assisti a vários atendimentos presenciais. Neste momento, veio o tal “soco no estômago” que a maior parte dos profissionais de previdência recebem, conforme o diálogo a seguir:
– Boa tarde. Me chamo Jonas, estou me aposentando e gostaria de saber qual será a minha aposentadoria.
– Pois não, Sr. Jonas. Me chamo Cláudia e farei seu atendimento. Essa ao meu lado é a Maria, ela é nova por aqui e está em treinamento.
– Sr. Jonas, parabéns pela linda carreira na empresa. Acabei de fazer a simulação e o valor do seu benefício será de R$ X.
– Não pode ser Dona Cláudia, tem que estar errado!
– Sr. Jonas, realmente é esse o seu valor. Pelo que vi no sistema, foi a primeira vez que o Sr. fez uma simulação, correto?
– Sim senhora. Mas não pode ser esse valor, o que posso fazer para mudar isso?
– O senhor tem dinheiro para aportar ao plano?
– Não, tudo o que tenho para a minha aposentadoria está aí com vocês. O que posso fazer para mudar isso?
– Infelizmente, tenho que lhe dizer que hoje não há mais o que fazer, pois o Sr. deveria ter feito alguma coisa há 20/30 anos atrás…
Todas as vezes que me lembro desse episódio, vem aquele mal-estar enorme, pois fui de RH por mais de duas décadas e me questiono se eu não poderia ter feito muito mais do que fiz para mudar a realidade de todos os outros enquanto estão na empresa. Faz parte do dia a dia de quem trabalha com previdência complementar presenciar pessoas, de todos os níveis, que vivem uma ótima vida enquanto na ativa e uma vida cheia de privações na aposentadoria, justamente o momento em que estão mais fragilizados.
A partir desse questionamento, passei a analisar profundamente o valor que eu dava para previdência complementar na época em que estava no RH e, infelizmente, analisando friamente, era uma ótima ferramenta de atração e retenção, além de um ótimo benefício e um grande investimento para o empregado. Só isso…
O maior aliado de uma aposentadoria “digna” é o tempo. O quanto antes “acordarmos”, o quão mais fácil será o esforço de poupança e a preparação necessária para elaboração de um projeto de vida futuro. Mas é aí que entra o paradigma, como fazer com que um jovem de 25 anos que acabou de entrar para a empresa se sensibilize com algo que vai acontecer daqui a 30 / 35 anos? Por que ele (a) deve se privar de consumir para pensar em um horizonte “quase infinito”? Por que gastar o tempo dele (a) se planejando enquanto poderia estar “curtindo”?
A longevidade é uma realidade e os que se aposentarão entre os 55 e 65, embora a expectativa de vida do brasileiro seja de 75 anos, podem precisar viver de suas aposentadorias por um período de 35 a 45 anos ou até mais. Com isso, o planejamento para essa fase tem que ser o melhor possível, inclusive o financeiro, para suportar todo esse período de aposentadoria, dure ele o quanto durar.
Hoje, apenas 3% da população economicamente ativa no Brasil (PEA) tem previdência complementar fechada. Uma pesquisa realizada em 2014 com mais de 12.000 aposentados constatou que se somarmos o INSS mais a previdência complementar fechada e mais o trabalho (uma parcela continua trabalhando), a renda média dessa população equivalia a 35% do último salário base que eles tinham enquanto estavam “na ativa”. Ou seja, se pensarmos que esses são parte dos “privilegiados” (3% da PEA), a situação é ainda mais drástica.
Pensando na época em que eu atuava na área de Recursos Humanos, me solidarizo com alguns RHs sobrecarregados, pois pensar em trazer algo a mais para esse dia a dia é quase inimaginável. Mas se levarmos em consideração o “cuidar de pessoas” que está ou deveria estar na veia desse grupo de profissionais, vale o questionamento: por que o cuidado que temos com os colaboradores deve ter prazo de validade apenas enquanto estes estão trabalhando nas empresas? O que acontece com eles quando saem das empresas?
A ajuda do RH para o despertar dos colaboradores o quanto antes para a aposentadoria traz um retorno enorme ao fazer com que essas pessoas se aposentem de forma digna, além de ser uma bela causa aos profissionais de RH.
Mas o que efetivamente as áreas de Recursos Humanos podem fazer? Usando de suas estruturas de desenvolvimento e sua capilaridade, é possível ajudar os fundos de pensão na sensibilização dos colaboradores para seu futuro, tanto na construção de um projeto de vida, quanto no esforço de poupança. Além disso, naquelas empresas sem previdência complementar, é importante sensibilizar os empregadores com relação ao tema, para ampliar o número de organizações que oferecem planos de previdência, aumentando dessa forma o percentual de “privilegiados”, ao mesmo tempo em que ajuda a economia do país a prosperar e tira parte da pressão da Previdência Social estatal que teria que atender a essa demanda sozinha.
Vemos belos exemplos de RHs que já têm papel primordial nesse planejamento para aposentadoria e cuidam tanto de quem fica quanto de quem sai e, nosso sonho, é que todos RHs abracem nossa bela causa”.
Autor: Maria Gurgel
Fonte: ABRAPP – Diário dos Fundo de Pensão